segunda-feira, novembro 12, 2007

Fechado para balanço,
Sem previsão de retorno.

domingo, agosto 26, 2007

Apenas uma caneta vermelha

A embriaguez já não resolvia mais nada. Antes, era a única forma que ela encontrara de aguentar o peso da realidade. Agora já não fazia mais diferença. Andava pelas ruas da cidade encurvada, seus olhos já não brilhavam, sua vontade de continuar se esvaía a cada dia que acordava e sentia estar viva. Mas era uma covarde. Nem para dar logo um fim a todo seu sofrimento ela serviria.
Lágrimas já não possuía. Agora nem lamentava mais. Preferia calar e sentir, só ela, a frustração de não conseguir agir. Inútil não era mais uma palavra que expressasse adequadamente sua condição. Dentro dela, conviviam tragicamente a vontade de realizar seus sonhos e a decepção de ser quem era. Nunca realizaria nada. Nasceu sem qualquer dom, morreria sem deixar qualquer lembrança.
Lembrava-se de um tempo em que sorria ao acordar, em que admirava os dias azuis e muito trabalhava. Amava sua família, possuía um fogo dentro de si, era calma, otimista, não tinha medo de nada, a não ser da morte. Havia sido assim há algum tempo. Mas, naquele momento, só lhe vinham à mente os fracassos e a tristeza de não saber como resolver sua vida. Não era uma covarde, estava acovardada. E não poderia pedir ajuda, pois ninguém realmente se importava.
Solitária. Sozinha no mundo. Passou a acreditar em Deus, para ver se alguém a escutava, para poder contar com alguém. Mas, aparentemente, nem Ele. Consultou um terapeuta, depois um psiquiatra, depois uma vidente. Arriscou qualquer coisa. Nenhuma resposta, nenhum tratamento, nenhum milagre. Só a decepção, a frustração, a covardia. Por isso, desistiu. Anos e anos sem sucesso a fizeram repensar sua trajetória.
Talvez o universo - aqui o leitor entenda universo como quiser - nos mostre, através de sinais, o que devemos ser ou o que fazer em determinadas ocasiões. Um bom jogador sabe interpretar os sinais: quando começa a perder, deve se retirar da mesa. Uma dona-de-casa também tem essa percepção: o céu escurecido a faz tirar toda a roupa do varal. Um corretor da bolsa de valores, para manter seu emprego, interpreta diversas vezes os sinais do universo. Ela, então, juntou as peças do quebra-cabeça de sua vida e percebeu também os sinais que seu universo a enviava: até um dado momento, tudo caminhava bem... até seu mundo começar a ruir. Oportunidades escapavam de suas mãos finas, brigas com pessoas queridas, dificuldades financeiras, nãos por todos os lados.
Foi aí que desistiu. Despediu-se de uma vida de fracassos para tentar uma segunda chance com o universo. Preparou tudo, iniciou sua viagem sem volta. Aventurou-se pelo desconhecido conhecido por todos e deixou, em cima da mesa, sua caneta vermelha.

segunda-feira, junho 25, 2007

Papel de Astronauta

Papel de Astronauta

Parou num daqueles postes cheios de propagandas mal coladas. Encostou-se. Precisava parar para respirar e acendeu um cigarro. A brasa ficava mais vermelha a cada tragada, a fumaça que entrava em seus pulmões era menos densa que aquela que saía. Uma nuvem branca o cercava.
Era uma pessoa sem muitos amigos. Calado, fechado, preso em sua própria redoma. Não precisava dos outros, trabalhava em seu próprio cubículo numa firma importante. Cuidava dos papéis que lhe entregavam e dos que o computador lhe fornecia. Entrava às sete e saía às cinco.
Naquele momento estava em sua pausa para o almoço. Repensou sua trajetória. "Se não fosse isso... seria outra coisa." Quando criança sonhava ser astronauta. Queria poder ver o planeta lá de cima, alcançar as estrelas, pisar na Lua. Todas as noites fitava o céu à procura de uma resposta - o céu, tão misterioso, a terra, tão palpável!
Precisava voltar. Voltar a sonhar, voltar ao momento em que enterrara sua existência num amontoado de papéis vazios. Respirou fundo mais uma vez. Terminou o cigarro, grande companheiro de suas divagações, e fez o inevitável: deu um passo em direção à rotina. Uma luz, entretanto, o ofuscou. Como num susto, pulou para trás. Foi breve, mas intensa o suficiente para fazer com que sua respiração fosse interrompida e, por um momento, seu coração parasse de bater. Frações de segundo que pareciam eternas. Foi assim que ele lembrou.
O ano era 1999. Formou-se como engenheiro, cinco anos de muita dedicação. Já havia até se matriculado num curso de especialização em astrofísica, iria seguir adiante e, pelo menos, tentar. Naquele tempo tudo era mais fácil: sonhar, viver. Um telefonema no meio da tarde, porém, alterou seus planos. Seu pai havia falecido: infarto fulminante. Sua mãe, idosa, precisava do único filho. Malas feitas, seguiu para a metrópole e de lá não mais voltou. Foi contratado pela firma, passou a cuidar da mãe doente. Anos se passaram. O tempo levara seus sonhos e também o deixara sozinho. Agora apenas ele e seus papéis.
A luz cessa. Seu pulso também. Ainda visualizou, entre névoas - as brumas trazidas pela morte - a chegada dos paramédicos. Seu último pensamento, ilustrado pelo meio sorriso com o qual morrera: "Se não fosse isso, seria outra coisa".