domingo, julho 04, 2010

A Estrada

 Num final de tarde, uma festa. A expectativa era de que fosse encontrar alguém em meio à multidão que o fizesse sentir-se vivo e importante, então acelerava com vontade, ouvindo o motor rosnando como um animal. Ligou o rádio para distrair-se e levantar seu astral um pouco mais, e um rock n' roll conhecido tomou conta do seu corpo e de sua mente. Agora seguia confiante e naquela noite, quem sabe, teria alguma diversão.

Ao chegar no local, não conseguia estacionar o possante. Muitos já haviam chegado horas antes, e nenhuma vaga sequer havia sobrado por perto. Os que apareciam naquele horário também acompanhavam uma romaria em busca de um único espaço em meio à aglomeração de automóveis. Não haveria outro jeito: teria que andar um pouco mais para chegar à festa, pois o único lugar que havia encontrado estava a mais ou menos quinhentos metros de distância. Mas ele estava bem vestido, usava seu melhor perfume e, especialmente naquele momento, se sentia poderoso.

A festa já estava lotada. Uma ânsia por ver gente conhecida se apoderou dele, cujos olhos investigavam milimetricamente cada canto da chácara em busca de um outro olhar, de um sorriso. Entretanto, até ali nada o alegrava. Parecia que aquela noite seria de espera e de procura, duas palavras que, em seu vocabulário, quase não possuíam importância. Na verdade, era sempre ele quem era esperado e procurado, não fazia sentido algum que a situação tivesse se invertido.

Uma hora se passara desde o momento em que pusera os pés na terra batida daquela chácara. Já não estava animado, sentia o coração disparado em seu peito e as mãos gélidas, sinal de que o nervosismo e a ansiedade já o haviam alcançado. Uma hora depois um conhecido parou ao seu lado e travava, casualmente, uma conversa com ele, outros passeavam em meio à festa, exibiam uma tranquilidade digna de anjos assexuados. Ele não. Queria sentir-se vivo, e não era o que ocorria, pelo contrário, parecia que naquele lugar as únicas cores eram o branco, o preto e o cinza. As músicas não passavam de ruídos, as pessoas, simples vultos. 

Resolvera sair à francesa. Agora seguiria rumo à casa de uma amiga com quem teria alguma diversão, pelo menos sempre conseguia algo quando precisava. O motor roncava, agora mais furioso. A música, mais alta. Outros veículos pareciam competir com o dele numa velocidade incompatível ao limite de velocidade. Já estava chegando, enfim. A casa, sempre com suas luzes acesas, agora se encontrava em meio a uma escuridão intimidadora. Não poderia ser, mas sim. Não havia ninguém, ou ela poderia estar dormindo; resolveu tocar a campainha. Uma voz também conhecida atendeu, e perguntado sobre a dona da casa, respondera que ela não estava ali.

Mais uma vez, entrou no carro. Agora seus pés adquiriram um peso extraordinário, e o acelerador era sua vítima. O motor, colérico, rangia como os dentes de seu motorista. A estrada agora era sua companhia, única. Ela o entendia, ela sabia o que se passava ali dentro dele. As faixas passavam tão rapidamente que pareciam contínuas, indicando-lhe o caminho de casa. O rádio estava ligado, mas a única música que ouvia era a de seu motor, juntamente com o bater de seu coração, já cansado de tanta falta de sorte. Pareciam ritmados, o motor, o coração. Ele mesmo se sentia parte do automóvel, como se fossem um único ser, que corria pela estrada em busca de libertação. Uma curva apareceu para uní-los e, ao contorná-la, por um momento o motor e o coração pararam para ouvir o gritar dos pneus. Agora nada mais importava, nem a companhia, nem as roupas, nem o perfume. Só a estrada poderia saber.