quarta-feira, agosto 31, 2011

Elogio ao Inverno

O sol escaldante do verão e o calor que avermelha a pele e a alma não bastaram para que as palavras pipocassem da mente e, saltitantes, imprimissem no papel a alegria da estação.A areia da praia, terapêutica a alguns, irritante a muitos, foi sentida e esquecida, assim como as ondas que, dóceis, tentaram também reavivar o impulso da escrita. Assim, o verão passou e não instigou palavra alguma a cantar sobre o sol e seu reinado. 
O outono, então, apresentou-se. Os dígitos do termômetro anunciavam uma leve queda da temperatura e as nuvens começaram a se dissipar assim que as árvores afirmavam seu despudor.  Mais denso e menos gritante, o outono talvez pudesse realizar o feito não concretizado pelo verão, apesar das vãs tentativas deste. As palavras, entretanto, mais uma vez desviaram-se de seu objetivo primordial. O papel continuava ali, à espera. Desejava ser usado, abusado por cada uma delas, o que não aconteceu. As folhas forravam o chão e as palavras nada diziam sobre o tapete aveludado que se formava aos pés das árvores desavergonhadas. O outono também passou. Abriu as portas para o austero inverno, que com seu dom, soprou para longe as folhas e o tapete, instaurando como marca o arrepio. Radical, despiu as árvores, conservador, cobriu o corpo das pessoas. Embaçou os vidros e aqueceu alguns corações. O inverno não admitia a fuga das palavras, queria todas para si, as obrigaria a dizerem algo a seu favor, assim como aceitaria que o criticassem também. Provocou a pele da moça, tocou a nuca do rapaz. Ambos, seguindo então seus instintos de sobrevivência, encostaram-se para que aquela sensação de frio se dissipasse. A natureza, sábia e perspicaz, deu-lhes um empurrão e o calor de repente transformou-se num incontrolável incêndio cujo fogo somente a moça e o rapaz percebiam.
E foi dessa forma que as palavras encontraram um coração onde repousar, e a moça, ao sentir tantas delas pesando em seu interior, procurou uma folha solta de papel para servir de descanso a todas aquelas palavras agitadas. O inverno, logo, sorriu. Presunçoso, porém, inspirador inverno.