quarta-feira, agosto 11, 2010

1984 e o Domingo

"Acima de tudo, era o que ele desejava ouvir. Não somente o amor de uma pessoa, mas o instinto animal, o desejo simples, indiscriminado; era a força que faria a derrocada do Partido. Apertou-a contra o chão, esmagando campânulas. Desta vez não houve empecilhos. Dentro de algum instantes, o ofegar do peito de ambos voltou ao normal, e com um agradável torpor, permaneceram imóveis. O sol parecia ter esquentado mais. Ambos tinham sono. Ele puxou o macacão abandonado e cobriu-a um pouco. Quase imediatamente caíram no sono e dormiram cerca de meia hora.

Winston acordou primeiro. Sentou-se e ficou contemplando a face sardenta, ainda adormecida, apoiada na palma da mão. Com exceção da boca, Júlia não podia ser considerada bonita. Olhando-se de perto, descobria-se uma ruga ou duas perto dos olhos. O cabelo escuro e curto era extraordinariamente espesso e macio. Winston raciocinou que ainda não sabia todo o nome dela, e onde morava.

Aquele corpo jovem e forte, agora completamente desprotegido, provocou nele uma sensação de pena, e proteção.Mas não voltou de todo a ternura física, orgânica, que sentira sob a aveleira, enquanto cantava o tordo. Puxou o macacão de lado e observou a pele branca e macia. Antigamente, pensou ele, um homem olhava um corpo de mulher, via que era desejável e pronto. Mas agora não era possível ter amor puro, ou pura lascívia. Não havia mais emoção pura; estava tudo misturado com medo e ódio. A união fora uma batalha, o clímax uma vitória. Era um golpe desferido no Partido. Era um ato político." George Orwell, que bem poderia ter escrito esse trecho depois de um Domingo qualquer.