sexta-feira, junho 19, 2009

Editorial

Parada para um humilde editorial.

Eu tinha em mente escrever um texto mais teórico sobre a nostalgia, mas acredito que irei, mais uma vez, cair num relato autobiográfico. Nostalgia é aquele sentimento estranho que nasce quando relembramos, com muito carinho, de certas fases de nossa vida, de certas pessoas, de certos lugares, de certos aromas... enfim, uma mistura de saudade com reminiscência. Eu sou uma nostálgica, admito. E acho até que já escrevi sobre isso alguma vez.

Vivi a década de oitenta, e por mais que, por causa de meu vício por filmes e músicas dessa época, eu tente reviver pequenas frações de experiências passadas em minha infância, não conseguirei. O tempo não volta. Mas sou persistente, e por causa dessa minha característica, às vezes consigo por poucos instantes relembrar e sentir, com 31, o que senti com 07,08 anos. Reviver não posso, mas como seria bom poder entrar no De Lorean...voltar lá para trás...

Lembro que nós vivíamos numa época sem luxo algum. Hoje posso ir ao mercado aqui do lado de casa (que antes não existia) e comprar uma barra de chocolate só para mim. Na época, nós fazíamos uma compra por mês, e pouco espaço do carrinho era reservado para os doces e demais besteiras que quiséssemos comprar. Mesmo assim, sinto saudades. Na escola, as crianças (é, elas podem ser mesmo muito malvadas) olhavam para os pés das outras para identificar a classe social. É claro, a marca do tênis. Os meus eram tênis bem baratinhos, que duravam pouco, mas eu usava até a sola quase descolar. Às vezes sentia raiva disso, porque, como qualquer outra criança, eu gostaria de poder me sentir incluída. Resultado: criei minha personalidade tendo como referência todos aqueles que também não tinham um tênis de marca. Comecei a ouvir rock, vestia roupas rasgadas. Quando cheguei ao ensino médio, já nem me preocupava com nada nem ninguém. E, mesmo assim, sinto falta daquele tempo.

Minha escola era enorme. Estudei no Sesi, pois meu pai sempre foi e ainda é torneiro mecânico - com muito orgulho. Por causa dele cresci com meus ideais esquerdistas, até quando a esquerda deixou de sê-la - não irei discutir política hoje, então, dando continuidade ao relato: há uma mega indústria de metalurgia aqui em minha cidade, e na década de oitenta ela passou por fases de grande ganho de capital, como também muitas crises. Esclareço isso porque, lá no Sesi, convivíamos com os filhos dos funcionários desta indústria, desde os faxineiros até os gerentes, o que significa que minha escola foi um microcosmos da própria sociedade. Engraçado lembrar que os filhos da classe desprivilegiada comiam a merenda escolar (geralmente sopas, mingaus e, em dias especiais, pão com carne moída... e era bom hein!) enquanto os filhos da classe abastada traziam lanche de casa. Eu levava lanche de casa às vezes. Isto me traz à mente a primeira lembrança que tenho da escola.

Entrei no pré em 1983. Tudo era muito novo e estranho. A professora, Tia Lu, era uma mulher de 30 e poucos anos, que descaradamente dava mais atenção aos filhos da classe abastada. Eu tinha 6 anos, e levava comigo minha lancheira, que era da Moranguinho... meus pais pagaram bem caro por ela naquela época, por isso a bendita teve que durar mais uns dois anos. Enfim, recreio, abro minha lancheirinha, com suco Ki-Suco de morango e um pão com mortadela. O pão estava meio amanhecido, então eu mordi com força mesmo, e até descer pela garganta tive que fazer uma baita ginástica maxilar... De repente, vejo um homem muito parecido com meu pai me olhando lá de fora, atrás de um pilar. Dei tchauzinho, e era mesmo ele, que horas mais tarde, em casa, deu uma bronquinha em minha mãe por ter me dado um pão tão duro... Poxa, meus olhos lacrimejam agora.

É por isso que sou uma nostálgica inevitável e irremediável. Lembrar faz bem para a alma, e a minha é tão leve que às vezes penso que ela pode se desgrudar de meu corpo facilmente!

sexta-feira, junho 05, 2009

Poema em Prosa

Poema em Prosa

Enquanto abria meus olhos, ainda no limite entre o sonho e a realidade, sentia sua presença ao meu lado, sentado, na beira da cama, seu olhar de gato fixo e enigmático. Enquanto tomava meu banho matinal, você me secava com o calor de seu corpo sob a água, fumaça. Enquanto me vestia, você me despia despudorosamente.

Saí de casa a tempo, não perdi meu ônibus. Você correu comigo. No trabalho a rotina de sempre, a vida corria também, e você me acompanhava. No almoço, enquanto a comida era servida, falei sobre você e você se fez de desentendido, acho até que ruborizou. Eu imaginava nós dois deitados naquela mesa enorme, entre pratos cheios e vazios, você entre minhas pernas... mas você não estava ali.

Um menino rapaz tomou seu lugar ao meu lado no metrô, eu cedi o meu a uma senhora idosa. Nossos dedos poderiam ter se tocado quando segurei com força o apoiador para não cair naquela parada brusca. Nossos olhares se cruzaram pela milésima vez naquela tarde.

Em casa, me distraí. Não te dei bola. A família reunida para o jantar, as histórias sobre o dia que passou, piadas, risos e conselhos me tomaram algumas horas. Quando sentei-me no sofá para assistir o jornal você me pegou desprevinida com aquele seu sorriso sem-vergonha. Mas estava decidida a não ir para a cama até que você desistisse de mim.

Entretanto, a pele, o cheiro, a saliva e o suor me queimavam por dentro. No meio dos comerciais disse boa noite a todos. Entrei em meu quarto, fechei a porta, abri as janelas. As estrelas como únicas testemunhas daquele sonho que sonhava acordada. Estendi o edredon, e debaixo dele você já me esperava, numa ânsia digna de Eros.