terça-feira, setembro 23, 2008

O Andarilho, o Monge e a Catedral

O Andarilho, o Monge e a Catedral

Crispim caminhava lentamente em direção àquela catedral. Não havia mais nada a fazer, senão caminhar. Há algum tempo já não encontrava um próposito para continuar a viver, sua vida tornara-se tão vazia quanto a construção milenar onde entrava naquele momento. As paredes antigas ecoavam seus passos, os vitrais outrora coloridos e vivos transformaram-se em figuras incompreensíveis que, ao invés de encantar, agora cortavam facilmente quem as tocasse.A monumental arquitetura não mais deslumbrava, e sim amedrontava quem ousasse lá entrar. Mas Crispim não tinha medo, pois havia procurado um sentido em todos os lugares e em nenhum achara. Restava apenas a catedral, conselho de um viajante sem rumo com quem encontrou-se ao mendigar.

Crispim acreditava que era aquele lugar inóspito, sem vival alma com quem pudesse discutir a respeito da inexistência de Deus, o que se tornaria uma ironia, por ele mesmo estar numa casa divina. Porém, arrastando suas sandálias já bem gastas, o andarilho sentiu-se acompanhado. Avistou um monge, de barbas compridas e brancas, olhos envoltos numa serenidade quase desumana. Pasmo, Crispim pensou em deixar o recinto, tão enfadonho se tornou seu ânimo para conversas. Com apenas um olhar, no entanto, o monge aparentemente o convencera a ficar. Chegou perto, pousou sua mão delicadamente no ombro esquerdo de Crispim. Sua mão não pesava, era uma pluma, e parecia querer tirar o peso que o pobre perdido carregava. A partir disso, Crispim chorou e desatou a contar ao monge todas suas desilusões, blasfemou muito também, e afirmou que nada fazia sentido, pois estava oco por dentro. O monge, ao final do desabafo, sorriu. Perguntou a Crispim se este via ou ouvia as multidões de dentro da catedral. Este, incrédulo, respondeu que não havia mais ninguém ali, exceto ambos. Insinuou estar o sábio com problemas de discernimento, e então ouviu, pela primeira vez, a voz suave e forte ao mesmo tempo lhe explicar sua visão sobre o real sentido da vida:

"Jovem, há aqui multidões de anjos que contemplam, todos os dias, a magnitude divina. Eu mesmo posso afirmar isso, pois os ouço e junto minha voz às deles, pois acredito que, além do corpo, somos almas em busca de amor. E o maior amor de todos está muito além de paredes, de vitrais, de sandálias, roupas ou corpos. Basta sentir, no fundo de seu coração, o seu chamado".

Crispim fechou os olhos. Tocando o chão batido da catedral, parecia entender o que o monge queria dizer, pois o tempo, tão infinito, vibrava, o fazia tremer. O tempo, tão antigo, parecia lhe falar através daquele chão. Entendera que procurava na imensidão da terra material algo que já estava ali dentro dele mesmo, esperando. E então ele reconstruiu sua catedral, começando pelos alicerces, e agradeceu ao monge apenas com um olhar e um sorriso.