segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Um Tapete Muito Caro para a Morte

"Um tapete muito caro para a Morte"

"A vida sempre dá voltas", é o que dizem. E naquele momento Frederico não pensava direito, sua vista embaçava, suas mãos tremiam. Resolveu fechar a porta para os flashes e tomar um banho, quem sabe não acordaria daquele pesadelo...infelizmente, para ele, era a pura realidade. Em quatro dias sua vida de bancário se transformara numa novela barata e seu rosto estampava manchetes absurdas nos jornais do país. O chuveiro funcionava bem naquele hotel, a ducha de água fria estourava em sua cabeça e ele queria muito acreditar que a água que corria por seu corpo poderia lavar seu espírito. Só que ele não acreditava mais em nada. Apenas confiava no trabalho de seu advogado.
Arlete era sua esposa, namoraram por quatro anos, casaram-se na Igreja. A lua-de-mel foi em grande estilo, foram para as Ilhas Caribenhas, tomaram muita tequila e fizeram todas as loucuras que puderam. A vida que tinham juntos, entretanto, não era feliz. Arlete era ambiciosa demais, não se contentava com seu emprego de secretária executiva de uma grande multinacional. Queria mais, queria ser rica! Para ela, Frederico era um bunda-mole. Conformista, simplório, não tinha grandes objetivos nem grandes sonhos. Dentro de alguns anos, nem mesmo se sentavam à mesa para comer. Não tardou muito, camas separadas. Arlete tinha planos de carreira, começou a chegar tarde da noite devido às reuniões com seu chefe, e Frederico nem sua falta sentia mais. Reiniciara um velho hábito seu, o de ler. Naquela fatídica noite, era "Crime e Castigo" que descansava em seu criado-mudo, aberto em uma determinada página, quando Arlete bateu a porta da sala e jogou seus sapatos ao alto, acordando-o com suas altas gargalhadas. No limiar entre seus sonhos e a realidade, ouviu um misto de risos e gritos. E um último som o fez deixar de vez a areia de Morpheus para lidar com uma nada prazerosa cena de sua realidade patética: a de sua mulher morta no meio da sala, cujo sangue manchava o tapete caro e o piso de madeira dos quais ela tanto se orgulhava quando viva. Assim mesmo, Frederico não chorou. Mas também não riu.
Já eram dez da noite. O hotel estava lotado de fotógrafos. A manchete do dia era "O empresário Noah Fujissan nega qualquer ligação com secretária". Mais uma sessão de interrogatório, mais um dia de especulações. "Arlete não fora apenas alvo de um tiro, mas sim de um marido violento e vingativo"; "A secretária teria envolvimento extra-conjugal com o maior empresário do mercado de ações do país"; "Frederico Nunes está sendo acusado de um crime que não cometera": naquela semana os jornais venderam mais que cerveja. Um pouco mais leve, saiu do banheiro. Seu advogado faria um bom trabalho, era um antigo amigo seu que conseguira se formar e alcançara o sucesso e o reconhecimento que ele, Frederico, tanto queria. Não por Arlete. Arlete só o fizera ver o quanto ele era desnecessário. Seus defeitos o faziam se sentir pesado demais, sua vontade de crescer diminuía mais e mais toda vez que ela vinha com sua ladainha.
A sessão do dia seguinte seria definitiva. Mais provas surgiam, mais evidências de que ele seria salvo da autoria do crime. Os jornais não diziam isso, mas ele sabia que tudo correria bem. O mais difícil já havia passado, afinal, viver preso numa cela seria até melhor do que continuar vivendo como se uma corda o apertasse o pescoço todos os dias. Mas agora, tomar um trago no bar do hotel não seria má ideia. Abriu a porta. Um flash quase o cega.
(continua...)