terça-feira, julho 28, 2009

Luzes da Cidade

Luzes da Cidade


O vidro do ônibus possuía uma tonalidade escura, e ela enxergava a cidade com uma luz distinta. Era final de tarde, o sol já não estava alto, o que já conferia à luminosidade um pouco de escuridão. Mas pelo vidro ela via o grande rio, as calçadas, as pessoas, tudo com aquele tom levemente pesado. Era mesmo diferente, como nunca havia visto. Talvez fossem suas idéias, que também tentavam adaptar-se às mudanças de sua vida. Resolvera dar prioridade aos assuntos de maior urgência, não aos que, embora importantes, não eram de suma importância. Assim, vendo a transformação de um elemento tão trivial – no sentido de sempre estar lá, de ser tão essencial que, aos olhos mais desatentos, parecia nem existir –se sentiu estranha. Que luz era essa? Tornava-se energizante ao iluminar os arvoredos, e deprimente ao tocar as paredes cinzas e rotas dos prédios e fábricas. Ela pensava que esta luz não poderia chegar e ela, pois se assim acontecesse, a escureceria ainda mais, a faria também deprimente.

O ônibus então sai da cidade. Chega a uma rodovia cercada de árvores, o resto de uma antiga mata. A rodovia assemelhava-se a um facão, que havia cortado a mata, machucando-a, para passarem automóveis envenenando-a com sua fumaça fétida. As árvores também estavam mudadas. Pareciam entender que ela também temia perder sua luminosidade. Mas, a um certo momento, ela parou de pensar na triste tonalidade da luz filtrada pelos vidros escuros do ônibus e procurou sentir a paz que emanava daquele verde, daquelas árvores tão antigas; estas também tentavam transmitir sua sabedoria, sua experiência com o elemento humano durante os séculos. Ela então pensou que tudo passaria, que era necessário viver mais, deixar o tempo realizar seus feitos. E deixar a tristeza passar.

Havia mais gente no ônibus. Ela ouvia, sozinha, as piadas e os risos daquelas pessoas. Alguns acabavam de sair do trabalho, outros da faculdade. O sol começara a se pôr, a luz se tornara mais alaranjada. Como gostaria de estar no lugar de um deles! No lugar de um daqueles que riam, contando histórias engraçadas sobre situações cotidianas. A tarde acabava para a noite iniciar, e a noite que estava por vir a fazia ainda mais melancólica. Não haveria quem a esperasse em casa, não haveria alguém com quem conversar, contar suas piadas, as situações engraçadas do cotidiano. Só haveria ela e alguns rostos sempre lembrados, algumas palavras ditas e não ditas.Lançou-se aos pensamentos deprimentes; lembrara-se de tempos difíceis, quando a esperança era um fio quase inexistente que sustentava a sua vontade de continuar. Tudo aconteceu tão rápido que não houve como tragar tantas mudanças. Mudanças... como é espinhoso o seu caminho! Como é doloroso adaptar-se às transformações. Para ela, todas as transformações deixaram cicatrizes, porém, sentia-se ainda machucada. Era triste olhar as marcas e deixá-las de lado, acreditar que com o tempo as marcas não mais trariam a dor, e sim lembranças, apenas lembranças. Talvez se chorasse, tudo seria mais fácil, a agonia poderia diminuir, as lágrimas, como diriam os poetas, poderiam lavar sua alma. Alma consternada, alma sem sossego. Suja, velha, rancorosa, triste alma.

A noite já era densa, havia estrelas no alto dos montes. Tentou desviar os pensamentos para contemplar as pequenas luzes faiscantes, cheias também de uma terna tristeza. Um desespero crescia dentro dela, parecia possuí-la aos poucos, mas progressivamente. As lembranças não a deixavam, o momento pelo qual passava era tão tortuoso quanto a estrada, sua garganta ardia, ela queria chorar. Mas o choro não aconteceu, e a desesperança aumentava. Qual seria a saída, como isso poderia parar? Sua cabeça dava voltas, as pessoas riam. As estrelas piscavam, não havia lua no negro que cobria a terra. Sua vontade era de gritar, gritar o mais alto que podia. Mentalizava seu grito, pois sabia que nem isso conseguiria. Todos no ônibus emanavam tranquilidade, e talvez felicidade. A felicidade dos que ignoram os males, dos que vêem uma saída sempre, dos que maquiam a realidade. Ela não, nunca mais possuiria uma fagulha dessa felicidade, pois a realidade mostrara-se cruelmente a ela. E sentia-se mal por não ser simples, como todos no ônibus.