domingo, setembro 17, 2006

Madrugadas (cont.)

MADRUGADAS (CONTINUAÇÃO)

Ele acordou. Num sobressalto, apalpou o lençol à procura da realidade. Sentiu aquele alívio reconfortante e respirou fundo, tentando lembrar-se dos detalhes. Inútil. O sonho havia se desfeito e em sua memória restara apenas uma má impressão. Ouviu sons de gavetas abrindo e copos tilintando, espreguiçou-se e desceu as escadas. Sua esposa havia preparado o café cujo cheiro já se espalhava pelos cômodos da casa, convidando os moradores a sentarem-se à mesa e prová-lo. Foi o que ele fez depois de desejar bom dia à companheira.

O café estava ótimo, o pão crocante e a manteiga na temperatura ambiente. Tudo parecia estar como deveria estar, porém a sensação era de desconforto. Enquanto ela se trocava, ele já saía. Agora só voltariam para casa à noite, cansados e cheios de problemas. Ela era secretária e ele professor de educação física num colégio particular. Ambos eram infelizes em suas profissões, mas nem os amigos mais próximos suspeitavam disso. O relacionamento, da mesma forma, parecia dos mais sólidos, entretanto tinham algo em comum, os dois: não tinham muito tempo para discussões inúteis. Há dois anos estavam morando embaixo do mesmo teto. Discutiam muito, às vezes por detalhes bobos, mas nunca brigaram seriamente.

Mas aquele seria um dia diferente.
Naquele dia ele chegou dez minutos atrasado para o trabalho. Isso talvez não fizesse diferença alguma para a maioria das escolas, porém, onde trabalhava o atraso do professor era punido com "pontos negativos", e ele já possuía dois. Mais um e, inevitavelmente, seria advertido. Regras devem ser respeitadas, afinal de contas. Ao chegar, descontou sua raiva em cima dos alunos obrigando-os a dar voltas em torno do ginásio, coisa incomum. Mesmo a raiva era incomum, nem ele mesmo estava entendendo o que sentia. Sabia que algo parecia crescer dentro de si, e entre um grito e outro, com uma das mãos em torno da cintura, procurava relembrar o sonho que tivera na noite anterior. Os flash backs apenas aguçavam sua curiosidade. Lembrava-se de uma festa e um hospital, e de um médico também. Mas o que havia acontecido?

As horas passaram, o sinal bateu e o alvoroço era geral. Crianças e adolescentes correndo de um lado a outro, comendo seus sanduíches ou as frituras medonhas da cantina. Ele apenas tomou um café forte e quente, muito quente. Queimou a ponta da língua e blasfemou. Lembrou-se que sua esposa estava também no sonho. E usava um vestido marrom-glacê, terrivelmente atraente. Nem em sonhos ela poderia usar aquele vestido, pensou ele, tomando o café de uma vez só. Agora a garganta toda queimava, o sinal gritava insistentemente e sua mente procurava resquícios de um sonho fragmentado pela memória. Deu mais duas aulas para a oitava série e foi para casa. Lá chegando, a primeira coisa que fez foi vasculhar o armário da esposa à procura de um vestido marrom-glacê.

(continua...)



quinta-feira, setembro 14, 2006

Madrugadas

MADRUGADAS


O rapaz, casado há dois anos, resolveu sair com a esposa para comemorar o lucro do mês. Eles estavam contentes, enfim, a vida lhes sorria. A filha, pequena, ficara com os avós. Saíram com antigos amigos, de anos, para beber e esquecer os problemas do dia-a-dia. Ela, linda, de vestido marrom, salto agulha. Ele usava o perfume que havia ganhado no aniversário de casamento, importado. Chegaram ao bar, sentaram-se numa mesa, muito conversaram e riram. Uma noite quente, muita música da década de setenta e oitenta. Ela até ensaiou uns passos ao ouvir sua música preferida. Num dado momento, levantou-se. Ao virar-se, sentiu um frio no estômago. Sua pressão baixou rapidamente e ela caiu, como se caísse num chão de algodão. Ao perceber, seu marido a socorreu, juntamente com os seus amigos, que também se assustaram. Sua esposa estava gelada. Seus lábios, rachados e brancos. Saíram na pressa, o corpo perfeito estava mais pesado e os olhares de todos os que se divertiam no bar era de espanto.
Chegaram ao hospital. Sala de espera, desespero. O marido não parava de andar de um lado a outro, inconformado. Muitas coisas passaram pela sua cabeça. Menos uma: que ela havia morrido.
Ao receber a notícia da morte de sua esposa, primeiro não acreditou. Olhou bem no fundo dos olhos do médico, que, espantado, disse que não entendia como uma pessoa tão saudável poderia ter morrido tão de repente. Disse, por fim, que isso era tão raro quanto encontrar um milhão de dólares num táxi (comentário totalmente inapropriado para aquele momento). Ele, então, saiu em disparada em direção à sala de cirurgia, onde ela se encontrava. Ao deparar-se com seu corpo inerte, seus lábios arroxeados e sua pele pálida, deu-lhe diversos socos no coração. Sua primeira intenção era a de reavivá-la, mas depois do quinto soco, seu corpo e seu espírito, anestesiados, apenas a golpeavam. As lágrimas que brotaram de seus olhos e a expressão de dor estampada em sua face denunciavam sua incompreensão. Como ela poderia? Naquele momento, estavam vivendo bem, não era a hora, o momento. Sentiu raiva dela e de sua morte incompreensível.
O último soco atingiu a boca do estômago dela. E, como um milagre, ela deu um pulo na maca, num espasmo, gritando e tocando todo seu corpo, como se não acreditasse estar viva. Chorando, gritando, rindo, tudo ao mesmo tempo. Todos que ali estavam, o médico que havia seguido o marido para contê-lo, os amigos que acompanharam o episódio, todos pareciam não acreditar. E realmente esta foi uma cena insólita, digna mesmo de um romance inteiro. O olhar da mulher era outro. Ela parecia ter o conhecimento de todos os mistérios do universo. Mas ali, a única coisa que fez, depois de acalmar-se, foi perguntar ao médico se havia mesmo morrido. O doutor respondeu mostrando-lhe sua assinatura num papel em que se lia: HORA DO ÓBITO: 01:30. Ela esboçou um sorriso e levantou-se. Caminhou até a porta e então o médico a parou, dizendo ser necessária a realização de vários exames, que ela não podia sair assim do hospital. Pegando o estetoscópio de seu pescoço, ela então o colocou em seu coração, e o médico ouviu as batidas ritmadas. Virou-se e então, acompanhada do marido e de seus amigos, saiu do hospital cantando uma música antiga, saltitando e feliz. Ela sabia o que havia acontecido e sabia ainda mais.
(continua...)

segunda-feira, setembro 11, 2006

Como viver numa Selva de Pedra

Como viver numa selva de pedra

"Não adianta chorar, que a dor não passa". Também não vale a pena quebrar um pau com o mundo, pois o mundo não se importa. O jeito é aceitar tudo o que você é, todos os defeitos e qualidades. Às vezes a vida parece um saco, mas ela é assim mesmo, e o ser humano não passa de um animal. Racional ou irracional? Depende do exemplar.
As derrotas são unanimidades. As vitórias, raras. Mas há chances, e se você batalhar muito, vai ver a luz no fim do túnel. Arriscar-se, dar a cara à tapa. Ser, por vezes, desacreditada. Assim é melhor, porque quando você vencer, muita gente vai quebrar a cara. E você vai rir muito.
É necessário saber as regras: a primeira, não confie em ninguém. Isso é importante. Aqueles que são confiáveis num momento, noutro levantam sua carcaça como troféu. Alguns são mais confiáveis que outros, mas é melhor precaver-se. Ninguém sabe de que lado a flecha vem.
Segunda regra: não caia, e se cair, levante rápido. Muitos serão os que passarão por cima de seu corpo inerte, caído. Não conte com aquelas almas bondosas, altruístas. Provavelmente não estarão ao seu lado quando você tropeçar numa pedra qualquer dessa selva.
Terceira regra: finja. Infelizmente, esse não é o mundo ideal. Quando estiver feliz e quiser demonstrar o quanto sua vida está maravilhosa, resista. Caso contrário, os olhares dirigir-se-ão a você, pode apostar. E nem sempre os olhares serão de admiração, pense nisso.
Quarta regra: seja insensível. O mundo sempre sorri para os insensíveis, então, pra quê lutar contra a corrente?
Quinta regra: tenha um objetivo. E nunca o deixe para trás. Um exemplo: “serei a melhor no que faço", ou "serei a melhor no que gosto de fazer". O importante é: nunca deixe ninguém dizer o contrário. Mesmo que não seja verdade, seu papel é convencer o resto da humanidade. A humildade, hoje, é um vício, não uma virtude.
Analise. Estas não são as verdadeiras regras?