segunda-feira, junho 25, 2007

Papel de Astronauta

Papel de Astronauta

Parou num daqueles postes cheios de propagandas mal coladas. Encostou-se. Precisava parar para respirar e acendeu um cigarro. A brasa ficava mais vermelha a cada tragada, a fumaça que entrava em seus pulmões era menos densa que aquela que saía. Uma nuvem branca o cercava.
Era uma pessoa sem muitos amigos. Calado, fechado, preso em sua própria redoma. Não precisava dos outros, trabalhava em seu próprio cubículo numa firma importante. Cuidava dos papéis que lhe entregavam e dos que o computador lhe fornecia. Entrava às sete e saía às cinco.
Naquele momento estava em sua pausa para o almoço. Repensou sua trajetória. "Se não fosse isso... seria outra coisa." Quando criança sonhava ser astronauta. Queria poder ver o planeta lá de cima, alcançar as estrelas, pisar na Lua. Todas as noites fitava o céu à procura de uma resposta - o céu, tão misterioso, a terra, tão palpável!
Precisava voltar. Voltar a sonhar, voltar ao momento em que enterrara sua existência num amontoado de papéis vazios. Respirou fundo mais uma vez. Terminou o cigarro, grande companheiro de suas divagações, e fez o inevitável: deu um passo em direção à rotina. Uma luz, entretanto, o ofuscou. Como num susto, pulou para trás. Foi breve, mas intensa o suficiente para fazer com que sua respiração fosse interrompida e, por um momento, seu coração parasse de bater. Frações de segundo que pareciam eternas. Foi assim que ele lembrou.
O ano era 1999. Formou-se como engenheiro, cinco anos de muita dedicação. Já havia até se matriculado num curso de especialização em astrofísica, iria seguir adiante e, pelo menos, tentar. Naquele tempo tudo era mais fácil: sonhar, viver. Um telefonema no meio da tarde, porém, alterou seus planos. Seu pai havia falecido: infarto fulminante. Sua mãe, idosa, precisava do único filho. Malas feitas, seguiu para a metrópole e de lá não mais voltou. Foi contratado pela firma, passou a cuidar da mãe doente. Anos se passaram. O tempo levara seus sonhos e também o deixara sozinho. Agora apenas ele e seus papéis.
A luz cessa. Seu pulso também. Ainda visualizou, entre névoas - as brumas trazidas pela morte - a chegada dos paramédicos. Seu último pensamento, ilustrado pelo meio sorriso com o qual morrera: "Se não fosse isso, seria outra coisa".