terça-feira, abril 27, 2010

O Vinho e a Seda


Aconteceu numa festa. Embora ambos se encontrassem em várias delas, somente nesta o desejo se consumou. Ele, perfeito. Ela, única. A admiração era mútua, invejavam-se até, pois cada um, à sua maneira, possuía algum dom especial. Além disso, cada vez que seus olhares se cruzavam, uma certa excitação manifestava-se. Alexia possuía o dom de atrair a atenção alheia sem esforço. Era eloquente, espirituosa, sensual, assim como Tom, que nunca deixava de ser percebido em qualquer recinto. Gostava de contar algumas de suas experiências pessoais, mas também não somente isto. Qualquer manifestação artística a seduzia, tanto pintura quanto cinema, literatura, música. Toda pessoa que se aproximasse era tomada de assalto por alguma de suas divagações, impossível ser mais autêntica. De outro lado, ele. Sempre atento às pautas, sabia como discutir sobre qualquer assunto, mas principalmente sobre música e cinema, objetos de seu desejo. Era alguém especial, culto e sem qualquer vestígio de pedantismo. Entretanto, nele, algo era suspeito. Algum estranho brilho no olhar. Ela já percebera, porém pensava ser algo de sua imaginação.

A festa. Como tantas outras, muita bebida e muita música, tudo aquilo que não poderia faltar num bom encontro entre amigos. A bebida variava entre bons e caros vinhos, champagne e vodca. O grupo quase nunca se alterava. Raro era haver alguém desconhecido pela maioria, porém, obviamente, a companhia de rostos notáveis não era, de forma alguma, proibida. A música, heavy metal, fornecia o ritmo à festa, aos movimentos dos corpos. Alguns riam alto, muitas vezes não pela piada proferida, mas sim, como a confirmar o êxito da reunião; outros, pusilânimes, limitavam-se a apenas sorrir, com o mesmo intuito. Às vezes um grupo se ausentava, por motivos próprios. Voltavam, após algum tempo. Havia também os que discutiam atualidades, política. Ela nunca se manifestava em relação a tais assuntos, e quando a conversa tomava tal direcionamento, sempre optava por não talhá-la. Na presente festa isto aconteceu, e então Alexia procurou uma garrafa de vinho, desejava embebedar-se. A garrafa estava cheia, pôs a bebida em sua taça. Mas tal ato não fora feito às pressas, e sim, voluptuosamente; ao segurar o gargalo, ao despejar o líquido. E tal voluptuosidade lhe era intrínseca. Ele, estonteado, estava parado ao lado de uma pilastra, observando-a. 

Após algumas tantas taças, ela toma a direção ao banheiro. Numa esbarrada acidental, deixa cair um pouco de vinho em seu vestido, que era de seda, num tom cinza. Maldito vinho! Ele, prestativo, vai ajudá-la. Sugere que seja arranjada uma taça de água morna para eliminar a mancha. Vão à cozinha, a chama do fogão é acesa. A bebida começa a deixá-la inspirada, sua pulsação provavelmente estava acelerada, mas tais reações não poderiam ser percebidas por Tom, visto que apenas secretamente ela ansiava por aquele momento. Então dialogaram sobre a festa, sobre o pequeno acidente e a falta de jeito dela. Sem perder a chance ele a elogia, dizendo que o incidente a deixara rubra e isso havia aumentado seu charme. Seus olhos cruzam-se, e ao mesmo tempo analisam-se. E havia aquele brilho.
 
O tempo havia parado. Nada mais aconteceu. A música, os risos, o tilintar dos gelos nos copos de vodca. Tudo. O que restara eram dois pares de olhos fixos. Ela não conseguia livrar-se da imensa vontade de tocá-lo, beijá-lo. Implorava pela aproximação de ambos os lábios, pela ofegante sincronia de um beijo. Ele já havia compreendido a súplica. Com uma das mãos tocou seus lábios com tal sutileza, com tal veneração, que ela quase sucumbiu. Seus sentidos a deixavam perdida, entretanto, havia algo. O olhar, talvez. Um certo brilho. Com a outra mão, ele tocou sua nuca, causando um certo arrepio em sua espinha, e até um certo desconforto. Estava dominando-a. E ela também já havia compreendido. Aquele olhar que a aliciava agora a desesperava. Os traços de um rosto antes admirado e que agora tomava formas aterrorizantes. Ela não conseguia mover-se, e ele deixava cada vez mais o brilho de seus olhos figurar-se em um brilho assustador. A lascívia misturava-se ao medo. Um medo que a excitava, mas terrífico. Nada mais ela poderia fazer. Estava imóvel, domada. Cerrou os olhos e esperou o toque, que não demorou. Os lábios se uniram, e ela sentiu como se estivesse potencialmente sensível, então desvaneceu.. mas segundos antes de precipitar-se, olhou para ele. Entendeu o brilho daqueles olhos. Tudo foi explicado, e nada mais seria possível. Era o fim, e já estava feito. O desespero não mais a alcançava. A serenidade agora era sua companheira.

Um breve comentário a respeito do agora

A volta do Editorial


Passados alguns meses já, senti falta dessa minha antiga e eficiente forma de desabafo. Muito aconteceu até este momento, e se fosse dar conta de todos os acontecimentos, acredito que não seria possível nesse humilde espaço que me gratifica muito possuir. Mas vamos ao que interessa: as mudanças, pequeninas ou grandiosas, são elas que nos movem e que nos espreitam diariamente, esperando o momento oportuno de se manifestarem.

A borboleta que antes era lagarta, a rã que em seu passado recente ainda era girino... faço minhas as palavras de Raulzito: podemos nos considerar metamorfoses ambulantes. Outro dia senti-me estranha, pois nos últimos meses muito do que antes era de meu interesse, hoje se tornou superficial. Pensem: o que é mais importante hoje? O hoje! Entretanto, só notei essa verdade há pouco, afinal, sempre fui uma sonhadora incorrigível... o problema dos sonhadores é divagar a respeito do amanhã e acabar não se importando tanto com o agora. E o agora... que beleza tem!

O sonho virou realidade. Que ótimo... e o próximo passo? O que projetar? Minha vida posso definir como um turbilhão, o olho do furacão. Quando acredito que o vento forte passou e a tranquilidade encontrou seu lugar, a paz momentânea logo se transforma novamente. E como isso me atordoa, me abate, faz de mim um fantoche do acaso! Os pensamentos que se tornam confusos, a pele que se umedece com o suor brotando pelas têmporas...entretanto, meus amigos... esta sou eu e esta minha realidade.

Prefiro acreditar que a graça de estar viva é exatamente essa: o imprevisto, que traz também boas mudanças. Primeiro seguem-se os segundos e minutos, que tomam seus lugares nas tarefas rotineiras. As horas, que se consomem... os dias, uns mais amenos, outros tão extenuantes. Quando se olha para trás, uma semana se foi... e com ela as lembranças recentes dos dias mais marcantes... e as semanas também se consomem, como fossem a chama breve de um fósforo riscado. Ah, o tempo... que loucura pensar nisso!

Fato: o tempo transforma até mesmo aquilo que acreditamos ser eterno, porque a eternidade é uma ideia.

Não passei uma borracha no passado, ainda não. Há algumas cenas que ainda estão bem frescas em minha memória, e estas preservo porque elas me preservam também. As experiências que nos fazem mais fortes e nos forjam são as mais importantes, e não devem ser apagadas de forma alguma. Por mais duras que sejam. Porém, aos que tiveram o interesse e o tempo para ler meus antigos posts, devo uma explicação: uma mudança se fez em mim. Não cultuo mais o passado, não quero mais viver nostalgias da juventude, e isso merece ser comemorado!

Os próximos segundos serão dedicados ao meu trabalho, que também consumirá os minutos e horas seguintes. É disto que tenho certeza, apenas disso. Os próximos dias, semanas e meses serão, com prazer, aguardados pacientemente. Nada mais importante do que o agora, o presente do destino... sim, o destino nos presenteia com o agora.

Então, abriremos esse presente com aquela alegria infantil, rasgaremos o papel colorido, os nossos olhos saltados frente ao inesperado! E eu desejo de coração que todos vocês sintam, como eu sinto, a mais simples felicidade: a de apenas estar.