sábado, junho 26, 2010

Uma manhã, uma tarde e uma noite

Uma manhã, uma tarde e uma noite

Marília já acordava correndo. O despertador gritava em cima do criado-mudo, sem dó. Ela sonhava que cavalgava em um cavalo preto, altivo, e o vento que bagunçava seus cachos da cor do sol era o mesmo que refrescava sua pele que, inexplicavelmente, ardia em brasas, sem que ela sentisse qualquer dor. Ao contrário, a sensação era de prazer e felicidade, pelo menos até o som estridente do relógio fazê-la acordar sobressaltada. Seu coração disparava assim como os segundos, que movimentavam o ponteirinho menor com sua urgência e rapidez.

O cobertor estava na temperatura certa, mas o dia apenas começava. Lembrou-se de seu superior, o quanto estava agitado nas últimas semanas, cobrando por resultados. A pressão psicológica de Nunes a atingia em cheio, e por mais que se esforçasse, nada era bom o suficiente. A cada dia uma nova cobrança, uma nova necessidade. E os negócios não iam nada mal: a curva do balanço mostrava que as vendas cresciam. Marília desejava descansar numa praia, levar seu companheiro Max para correr e pular as ondas... era seu melhor amigo, e assim que percebeu que ela acordara, não hesitou por momento algum em saltar na cama e, com aquela alegria própria, demonstrar-lhe suas expectativas, pois para ele seria um dia fabuloso!

Depois de abraçar Max com entusiasmo, afinal, qualquer coração gelado se desfaleceria na companhia daquele lindo e feliz labrador, Marília segue em direção ao banheiro e, mesmo a contragosto, se livra de sua roupa de dormir. As primeiras gotas do chuveiro descem como agulhas de gelo, ferindo sua pele que, até aquele momento, estava quente. Em alguns minutos seus pensamentos tomam sua atenção por completo: tudo o que teria que ser feito até a hora do almoço, como sempre, Marília retomava, ponto a ponto, em sua mente. Ao terminar o banho já se sentia sobrecarregada. Mas tinha um cargo, ganhava por ele, independentemente de Nunes, de Renata - a grande puxa-saco da agência - e de qualquer outro colega de trabalho, ela ainda agradecia por tê-lo.

Pão com geléia para ela, ração para Max. Suco para ela, água para Max. Chaves do carro para ela, a solidão para Max.

Ao trocar a marcha e pisar no acelerador, Marília já se sentia em seu lugar, seguiria sua rotina. O celular toca, só tem tempo de verificar quem seria o ser que ligava àquele horário. Nunes. Aquele seria mais um dia cheio, e teria problemas...

sexta-feira, junho 25, 2010

O Bater das Asas da Borboleta - O Caos e os Vômitos

Às vezes tenho a impressão de que sou um alvo fácil das desumanidades. Há sempre algum problema ou alguém que cria um problema para a minha cabeça! Como diriam meus alunos, "fala sério"!

Há décadas atrás (tempo que passa cada vez mais rápido), quase nada me atormentava. Seriam problemas tão pequenos que não mereciam tanta atenção, ou eu havia desenvolvido uma capa de proteção aos pensamentos insistentes que levam ao desânimo? Ou seriam as responsabilidades que crescem feito bolo de mãe ... humm... como era fácil a vida daquela pequena ruivinha sardenta, que ocupava sua mente com quadrinhos do Walt Disney e comia bolo de cenoura com granulado por cima sem se preocupar com o dia seguinte ou com as calorias do bolo... 

Sou muito tranquila, me sinto feliz e abençoada. Mas quanto mais me sinto livre e em paz, mais problemas aparecem, do nada, sem explicação. Não sei se acontece com mais gente, mas é só eu começar a elogiar uma pessoa para ela me decepcionar, é só me sentir segura em relação a algo para que esse algo entre em turbulência. Talvez seja um teste: vamos ver até onde ela aguenta segurar aquele sorriso, até quando ela vai distribuir tantos pensamentos encorajadores... mais uma vez recorro à sabedoria de meus alunos: "tenso!"

Aprendi,  nesses últimos tempos, a ser muito mais paciente. Quero compartilhar isso aqui, hoje. A paciência é uma dádiva, pois a paz que tanto se busca não é encontrada sem muita espera. Nós somos seres que esperam. Esperamos 4 anos para torcer para o Brasil na Copa (ah, obrigada pessoal do 3o ano pelas risadas e pelo churrasco de hoje!), esperamos por 9 meses aquele serzinho(a) que mudará por completo a nossa vida, esperamos pelo vestibular, na fila do banco, na fila do caixa de supermercado, esperamos o tempo que for para encontrar a nossa cara-metade, esperamos até pela morte... 

Há como esperar sem paciência? De maneira alguma. Mas tem muita gente impaciente por aí. E o pior, um problema pessoal (gerado, muitas vezes, pela impaciência) pode acabar criando problemas coletivos. É a teoria do caos funcionando aqui: uma pessoa acorda de mal humor numa bela manhã ensolarada, levanta-se e segue sua rotina matinal como se cada passo ou cada palavra se transformasse num martírio, um castigo. Chega no trabalho e escolhe (consciente ou inconscientemente) algum inocente que deverá pagar pelo pato. Na primeira chance que tiver, o mal humor em pessoa fará tremer a terra e os céus caírem na cabeça desse bendito ser que, sabe-se lá, acordou feliz naquela manhã, pensando numa forma de fazer seu ambiente de trabalho tornar-se cada vez mais agradável.

Reação em cadeia: o ser Pollyana  em questão poderá perder a vontade de tornar o mundo mais cor-de-rosa e voltar-se contra os seus colegas de trabalho, criar situações constrangedoras. Poderá ser uma pedra no sapato de todo mundo. Tudo porque alguém não cultivou a paciência e não procurou solucionar seus problemas interiores antes de vomitar palavras rudes e cruéis em cima dos outros. E quem é que limpa toda essa sujeirada?

Enfim... sou paciente. Espero pela solução dos problemas, mas aprendi isso a duras penas. As borboletas batem as asas na Ásia e os ventos acabam formando furacões na América, não é? Não sei, mas um pouco de gentileza ou de atenção no trato com seres humanos pode mudar o dia de alguém, disso tenho certeza. Eu desejo que todos vocês possam desfrutar da paz interior, e isso pode ser difícil quando lidamos com brutamontes ou com cobras sibilantes que se arrastam e mordem pelas costas. 

Ai, coitadinha da menininha ruiva... se ela soubesse o que iria enfrentar mais à frente...