domingo, dezembro 28, 2008

O Cemitério Particular

O Cemitério Particular

Cinco deles estavam na sala, que era suja e cheirava a ratos e comida podre. Nas paredes, um papel amarelado. Poderiam ser vistas algumas flores já sem cor estampadas naquele material tão velho e gasto e os móveis teriam algum valor se estivessem em bom estado, pois eram relíquias de quase dois séculos. Mas os cinco não queriam luxo algum. Aliás, aquele lugar era ideal, pois ninguém mais visitava a velha mansão desde que os últimos inquilinos se mudaram. Fazia já algum tempo.

Riam muito os cinco. Um era bem cabeludo, com olhos já perdidos. Os outros pareciam muito entre si, cabelos ensebados e roupas rotas. Acenderam um e outro baseado para dar início à noite, contavam piadas sem graça, riam. Os quartos vazios ecoavam os risos e muitas vezes os cinco pensaram ter ouvido sons diferentes, e deveriam ter prestado mais atenção.

Picos de agulha. Silêncios cortados por suspiros e gemidos. Os cinco viam vultos por entre as formas criadas pela fogueira improvisada, mas a crença e a espera pelas alucinações substituíam qualquer temor. Um vento gélido acariciou-lhes a face, mas eles não sentiram nada. Num determinado instante, não sabiam qual, pois o tempo não era medido em segundos, minutos ou horas, algo mudou. O quarto ainda continuava o mesmo, entretanto. Os cinco se deram conta de que alguém os vigiava, e não tinha boas intenções. Quiseram pegar suas coisas e sair, porém, no estado em que estavam parecia impossível qualquer movimento.
O quarto não era mais o mesmo. Os risos despertaram os residentes da mansão, o que não acontecia há décadas. Os espíritos de pessoas gananciosas demais para se desfazerem de seus bens passeavam entre os rapazes, que agora sentiam suas presenças. As sombras do quarto se tornavam cada vez mais macabras, ora distorcidas, ora demoníacas demais. A sensação dos viventes era comparável à de um gelo passeando pelos espaços entre as costelas. Num ímpeto, um deles se levanta e é seguido pelos outros quatro. Caminham sem rumo, o medo já os impedia de correr, precisavam escorar-se nas paredes que agora eram frias e cheiravam a carne podre.
Chegam todos juntos a um outro cômodo, uma sala aparentemente. Se antes o sentimento era de medo, agora tratava-se de desconsolo e tristeza. Seus corações batiam freneticamente, não conseguiram dar três passos em direção aos móveis que ali existiam, saíram imediatamente de lá e caminharam, juntos, ao quintal da mansão. Andavam de mãos dadas e um deles chorava, pensando em sua casa e em sua mãe. Todos os outros quatro pensavam na morte.
O quintal se enchia dos sons de morcegos e pássaros noturnos. Mas isto não era o pior. Mal tiveram tempo para avaliar o lugar, descobriram lápides e um arco onde se lia a palavra "Zoo" em metal enferrujado. A paisagem desoladora incluía algumas árvores secas, muito mato rasteiro e outros sinais de abandono. Era um grande mausoléu. Mas uma lápide em especial se destacava das demais, era enorme, e parecia haver ao lado desta um grande buraco. Automaticamente, os cinco se dirigiram até lá, seus pés se moviam, mas seus corpos eram puro concreto. Chegaram perto, todavia, não tiveram tempo para nada dizer ou fazer, já que um grande animal se aproximava. Não parecia ser um lobo, não parecia ser um gato, seus olhos faíscavam e seus dentes se preparavam para atacar a qualquer momento. O animal era guiado por alguns dos espíritos. Ninguém disse nada, ninguém gritou, apenas o que se ouvia era o som que o animal emitia, que não era identificável.
O buraco agora havia aumentado. Os cinco não tinham outra saída, e outros animais iguais ao primeiro se aproximavam. Não se sabe se eles caíram no grande halo ou se estavam alucinados demais. Os cinco acordaram no primeiro quarto, a fogueira apagada. Obviamente, da mansão saíram, aos gritos. Um único riso se ouvia, ao longe, enquanto os amigos dobravam a esquina daquela mansão tão antiga quanto a própria cidade em que viviam. Era um riso apenas.

domingo, dezembro 21, 2008

Sobre Caixas e Descarregos

Sobre caixas e descarregos

Queria poder encontrar um meio mais fácil de encarar a realidade que parecia ter dentes mais afiados a cada segundo que se passava. No quarto, agora, só os pôsteres colados há décadas atrás, de bandas que já não mais existem. Abriu seu diário: quanta bobagem! Como os adolescentes são mesquinhos e egocêntricos, pensou. Se fosse levar a sério todas aquelas reclamações, qualquer um acreditaria que ele teria sido o rapaz mais infeliz do mundo. Não poderia equiparar sua juventude tão complicada e paradoxalmente tão simples à vida que levava agora. Era feliz naqueles tempos, mas não conseguia ver... é, os hormônios talvez nos ceguem também.

O pior ainda estaria por vir. Arrumar a papelada toda, reencontrar aquela gente. Adentrou o quarto, começou a encaixotar seus pertences. Nada daquilo serviria pra muita coisa, mas deixar tudo lá, às traças, seria errado. Não queria também que o próximo morador da casa tivesse qualquer impressão sobre ele, afinal, ninguém o conhecia de verdade. Nem ele mesmo saberia dizer quem era. Muitos foram os que tentaram levá-lo à terapia, ou melhor, psicoterapia, mas não acreditava nisso. Quando queria desabafar um pouco, seu cachorro Lex era todo ouvidos. O cão, sempre sentado, com as orelhas baixas, parecia, às vezes, aconselhá-lo: "Que tal se você fosse até lá e lhe contasse tudo isso que me disse? Acredito que toda a situação se resolveria rapidamente. Ah, mas eu havia me esquecido... você é um covarde!"

O último carrinho na caixa. O último sinal de que um dia havia vida naquele quarto. Um último suspiro e então ele se dirigiu à porta. Deu uma última olhada, respirou aliviado e fechou-a. Desceu as escadas pensando no dia difícil que teria pela frente. Papéis, pessoas medíocres. Entrou no carro e deixou as caixas no banco de trás. Não olhou mais para elas. Queria apenas dirigir e pensar um pouco no que iria fazer a partir dali, mas nenhum pensamento lhe vinha à mente. Apenas uma sensação de desesperança e medo. Mas, o que cargas d'agua faria com tudo aquilo? Parou o carro e olhou para trás novamente, encarando as caixas. Não faria sentido carregar mais peso, pensou. Virou-se para frente, no espelho retrovisor fitou seus olhos por um momento e ele então encontrou um jeito de descarregar-se. Seguiu até a ponte do rio que cortava a cidade, chamado de Rio das Almas, sentindo-se cada vez mais leve. Desceu do carro, pegou as caixas e jogou-as sem nem ao menos olhar para trás. Apenas jogou as caixas. E assim seguiu seu caminho, e sabia que muito ainda tinha que ser feito. Muitas outras caixas deveriam ser jogadas no Rio das Almas...