domingo, dezembro 21, 2008

Sobre Caixas e Descarregos

Sobre caixas e descarregos

Queria poder encontrar um meio mais fácil de encarar a realidade que parecia ter dentes mais afiados a cada segundo que se passava. No quarto, agora, só os pôsteres colados há décadas atrás, de bandas que já não mais existem. Abriu seu diário: quanta bobagem! Como os adolescentes são mesquinhos e egocêntricos, pensou. Se fosse levar a sério todas aquelas reclamações, qualquer um acreditaria que ele teria sido o rapaz mais infeliz do mundo. Não poderia equiparar sua juventude tão complicada e paradoxalmente tão simples à vida que levava agora. Era feliz naqueles tempos, mas não conseguia ver... é, os hormônios talvez nos ceguem também.

O pior ainda estaria por vir. Arrumar a papelada toda, reencontrar aquela gente. Adentrou o quarto, começou a encaixotar seus pertences. Nada daquilo serviria pra muita coisa, mas deixar tudo lá, às traças, seria errado. Não queria também que o próximo morador da casa tivesse qualquer impressão sobre ele, afinal, ninguém o conhecia de verdade. Nem ele mesmo saberia dizer quem era. Muitos foram os que tentaram levá-lo à terapia, ou melhor, psicoterapia, mas não acreditava nisso. Quando queria desabafar um pouco, seu cachorro Lex era todo ouvidos. O cão, sempre sentado, com as orelhas baixas, parecia, às vezes, aconselhá-lo: "Que tal se você fosse até lá e lhe contasse tudo isso que me disse? Acredito que toda a situação se resolveria rapidamente. Ah, mas eu havia me esquecido... você é um covarde!"

O último carrinho na caixa. O último sinal de que um dia havia vida naquele quarto. Um último suspiro e então ele se dirigiu à porta. Deu uma última olhada, respirou aliviado e fechou-a. Desceu as escadas pensando no dia difícil que teria pela frente. Papéis, pessoas medíocres. Entrou no carro e deixou as caixas no banco de trás. Não olhou mais para elas. Queria apenas dirigir e pensar um pouco no que iria fazer a partir dali, mas nenhum pensamento lhe vinha à mente. Apenas uma sensação de desesperança e medo. Mas, o que cargas d'agua faria com tudo aquilo? Parou o carro e olhou para trás novamente, encarando as caixas. Não faria sentido carregar mais peso, pensou. Virou-se para frente, no espelho retrovisor fitou seus olhos por um momento e ele então encontrou um jeito de descarregar-se. Seguiu até a ponte do rio que cortava a cidade, chamado de Rio das Almas, sentindo-se cada vez mais leve. Desceu do carro, pegou as caixas e jogou-as sem nem ao menos olhar para trás. Apenas jogou as caixas. E assim seguiu seu caminho, e sabia que muito ainda tinha que ser feito. Muitas outras caixas deveriam ser jogadas no Rio das Almas...

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