sábado, abril 12, 2008

Do Tempo da Inocência

Do tempo da inocência

Berê era só alegria por fora, mas por dentro estava com o coração na mão. Tentava afastar os pensamentos ruins com um sorriso bem largo, de orelha a orelha. Estava numa das festas anuais realizadas pela equipe do trabalho, e por mais que quisesse, não conseguia se desprender de certas lembranças que a atormentavam como latejantes dores de cabeça. Lá pelas tantas, resolveu que iria tentar, pelo menos. Abriu então uma latinha de cerveja. Depois outra. Já se sentia melhor.

A partir daí Berê já não sentia mais a dor das lembranças, muito pelo contrário. Agora era ela mesma, leve, sem qualquer peso a arrastando para o fundo de seu oceano de culpas. Sentou-se numa rodinha de saudosistas da década de setenta, trocou idéias a respeito de música brasileira com uma colega de trabalho, arriscou alguns passos na pista de dança. O melhor da noite foi mesmo a hora de ir embora. Mas antes disso ainda riu muito, e também fez outros rirem. Pensou que, talvez, ela mesma estivesse complicando sua vida... era muito querida por todos e não havia motivos para tanto aperto, tanta aflição, tanta melancolia.

Berê viraria uma abóbora às nove. Precisava sair correndo, teria ainda que tomar dois ônibus para chegar à sua casa e já era hora. Mas estava com muito medo da solidão, das ruas vazias, dos mal encarados. Decidiu perguntar a uma de suas amigas, Lah, se ela poderia acompanhá-la até o ponto; J.J., ouvindo o pedido de Berê, com um grande abraço confirmou que também iria. Saíam então os três a caminho, só que mais gente se juntou à romaria:Pat, Elvis e Érico. Agora estavam em seis, e Berê se sentiu, pela primeira vez em anos, alguém especial. Não somente pelo fato de estar acompanhada, mas por ser amiga de pessoas que cultivavam a inocência e a amizade verdadeira, que é aquela que dura a vida toda. Ela sabia disso, sentia isso. E pedira por isso a vida toda.

Ao chegar em casa relembrou cada pedacinho de tempo daquela noite, e quem a tivesse visto naquele momento não entenderia o porquê de seu sorriso tão insistente. Só ela mesma, que percebera o quão simples é a felicidade.