Aconteceu numa festa. Embora ambos se encontrassem em várias delas, somente nesta o desejo se consumou. Ele, perfeito. Ela, única. A admiração era mútua, invejavam-se até, pois cada um, à sua maneira, possuía algum dom especial. Além disso, cada vez que seus olhares se cruzavam, uma certa excitação manifestava-se. Alexia possuía o dom de atrair a atenção alheia sem esforço. Era eloquente, espirituosa, sensual, assim como Tom, que nunca deixava de ser percebido em qualquer recinto. Gostava de contar algumas de suas experiências pessoais, mas também não somente isto. Qualquer manifestação artística a seduzia, tanto pintura quanto cinema, literatura, música. Toda pessoa que se aproximasse era tomada de assalto por alguma de suas divagações, impossível ser mais autêntica. De outro lado, ele. Sempre atento às pautas, sabia como discutir sobre qualquer assunto, mas principalmente sobre música e cinema, objetos de seu desejo. Era alguém especial, culto e sem qualquer vestígio de pedantismo. Entretanto, nele, algo era suspeito. Algum estranho brilho no olhar. Ela já percebera, porém pensava ser algo de sua imaginação.
A festa. Como tantas outras, muita bebida e muita música, tudo aquilo que não poderia faltar num bom encontro entre amigos. A bebida variava entre bons e caros vinhos, champagne e vodca. O grupo quase nunca se alterava. Raro era haver alguém desconhecido pela maioria, porém, obviamente, a companhia de rostos notáveis não era, de forma alguma, proibida. A música, heavy metal, fornecia o ritmo à festa, aos movimentos dos corpos. Alguns riam alto, muitas vezes não pela piada proferida, mas sim, como a confirmar o êxito da reunião; outros, pusilânimes, limitavam-se a apenas sorrir, com o mesmo intuito. Às vezes um grupo se ausentava, por motivos próprios. Voltavam, após algum tempo. Havia também os que discutiam atualidades, política. Ela nunca se manifestava em relação a tais assuntos, e quando a conversa tomava tal direcionamento, sempre optava por não talhá-la. Na presente festa isto aconteceu, e então Alexia procurou uma garrafa de vinho, desejava embebedar-se. A garrafa estava cheia, pôs a bebida em sua taça. Mas tal ato não fora feito às pressas, e sim, voluptuosamente; ao segurar o gargalo, ao despejar o líquido. E tal voluptuosidade lhe era intrínseca. Ele, estonteado, estava parado ao lado de uma pilastra, observando-a.
Após algumas tantas taças, ela toma a direção ao banheiro. Numa esbarrada acidental, deixa cair um pouco de vinho em seu vestido, que era de seda, num tom cinza. Maldito vinho! Ele, prestativo, vai ajudá-la. Sugere que seja arranjada uma taça de água morna para eliminar a mancha. Vão à cozinha, a chama do fogão é acesa. A bebida começa a deixá-la inspirada, sua pulsação provavelmente estava acelerada, mas tais reações não poderiam ser percebidas por Tom, visto que apenas secretamente ela ansiava por aquele momento. Então dialogaram sobre a festa, sobre o pequeno acidente e a falta de jeito dela. Sem perder a chance ele a elogia, dizendo que o incidente a deixara rubra e isso havia aumentado seu charme. Seus olhos cruzam-se, e ao mesmo tempo analisam-se. E havia aquele brilho.
O tempo havia parado. Nada mais aconteceu. A música, os risos, o tilintar dos gelos nos copos de vodca. Tudo. O que restara eram dois pares de olhos fixos. Ela não conseguia livrar-se da imensa vontade de tocá-lo, beijá-lo. Implorava pela aproximação de ambos os lábios, pela ofegante sincronia de um beijo. Ele já havia compreendido a súplica. Com uma das mãos tocou seus lábios com tal sutileza, com tal veneração, que ela quase sucumbiu. Seus sentidos a deixavam perdida, entretanto, havia algo. O olhar, talvez. Um certo brilho. Com a outra mão, ele tocou sua nuca, causando um certo arrepio em sua espinha, e até um certo desconforto. Estava dominando-a. E ela também já havia compreendido. Aquele olhar que a aliciava agora a desesperava. Os traços de um rosto antes admirado e que agora tomava formas aterrorizantes. Ela não conseguia mover-se, e ele deixava cada vez mais o brilho de seus olhos figurar-se em um brilho assustador. A lascívia misturava-se ao medo. Um medo que a excitava, mas terrífico. Nada mais ela poderia fazer. Estava imóvel, domada. Cerrou os olhos e esperou o toque, que não demorou. Os lábios se uniram, e ela sentiu como se estivesse potencialmente sensível, então desvaneceu.. mas segundos antes de precipitar-se, olhou para ele. Entendeu o brilho daqueles olhos. Tudo foi explicado, e nada mais seria possível. Era o fim, e já estava feito. O desespero não mais a alcançava. A serenidade agora era sua companheira.
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