terça-feira, março 25, 2008

Quem brinca com fogo, com fogo se queima

Quem brinca com fogo, com fogo se queima

Seu nome era João. O dela era Teresa. Casados há vinte anos, a rotina tomara conta de suas não tão regradas vidas. Teresa era dona-de-casa, João um comerciante. Tinham uma padaria, medíocre, é verdade, mas nunca lhes faltava pão. Literalmente.
Sempre que podiam, saíam os dois juntos, de mãos dadas. Bebiam juntos uma cervejinha, no final da tarde. Brigavam muito, pois João não pensava em outra coisa a não ser na padaria. Porém, há dias, Teresa se sentia isolada. Sentia-se invisível aos olhos de João. Por muitas noites, chorou sozinha. Queria ser muito mais que sua companheira. Queria ser a luz da vida de João, e sabia que isso nunca aconteceria. Era questão de tempo para que os dois se apartassem, mas mesmo assim, ela tentava.
Teresa caiu numa depressão. Estava no fundo do poço. Encontrou algumas cartas no fundo do armário de sapatos assinadas por uma outra mulher. Eram cartas de amor, em que Teresa era massacrada. Ela era a causa dos fracassos do marido, segundo a outra. Esta prometia ao seu amante que, assim que ele pedisse a separação, viveriam o paraíso. Ela o encheria de amor, e juntos teriam filhos, teriam paz. Teresa, como sempre, sofria calada. Quando João chegou da padaria naquela noite, Teresa se resignou e nada mais fez. Não limpou mais a casa. Não tomou mais banho. Não queria mais conversar. Nem comida ela fez. Se ele queria motivos, agora os teria. Que viesse a separação.
Mas não estava assim tão decidida. Era só a raiva o que a impulsionava. Não admitia, mas gostava dele ainda, mesmo depois de saber toda a história sórdida da traição. João pediu a separação: foi na mesma noite em que ela havia saído para conversar com suas amigas costureiras. Assim que voltou, ele a chamou para um canto da cozinha e disse que não a agüentava mais. Ela não revidou. Nada disse sobre sua descoberta. Calou-se e consentiu com a cabeça. Dormiram separados.
No dia seguinte, Teresa acordou feliz. Preparou o café da manhã. João, ao despertar, pensou que sua mulher estaria confinada no banheiro, como sempre fazia quando brigavam. Surpreendeu-se, pois o rosto iluminado de Teresa a fazia ficar ainda mais jovem e bonita. Sentiu-se bem, agora poderiam ser felizes. Separados, mas felizes.
Tomou um gole do café preto preparado por Teresa, comeu o pão quentinho, com manteiga derretida. Eles até conversaram: Teresa disse que voltaria a estudar e seguiria uma profissão. João, satisfeito, deixou a mesa em direção à porta da rua. Antes de sair, sua agora ex-mulher o chamou. Queria um último beijo. Ele deu.
João abriu a porta da rua, mas antes de sair, sentiu uma pontada no peito. Havia uma pequena escada do lado de fora, e ele acabou caindo, degrau a degrau, ficando roxo e estático ao final dela. Teresa, na porta, gargalhava, uma gostosa e doentia gargalhada. Abaixou-se para verificar se o marido ainda estava vivo, e vendo que não, chamou a ambulância. Uma semana depois, viúva, Teresa ficou com a padaria. Um ano depois, com um rapaz quase dez anos mais novo como marido.

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