Não Mais do Mesmo
A espera fazia parte da rotina. Enquanto esperava, acendia mais um cigarro. O ônibus não chegaria enquanto não acendesse o segundo, essa era sua única crença. Dali a alguns minutos a espera chegaria ao fim e mais uma vez tudo seria igual. Muito igual. E não tardou. Lá estava, subindo a rua, o velho ônibus fretado de sempre.
A terceira poltrona do lado da janela era praticamente sua. Sentou-se, fechou as cortinas vermelhas e tentou cochilar. Os raios solares acabavam de aparecer no horizonte... mais um amanhecer, como todos os outros. Não queria saber. O sol que cumprisse sua função, assim como ele. Todos eram obrigados a desempenhar suas funções, era a lei da selva de pedra. Havia perdido a capacidade de enxergar qualquer poesia à sua volta. Anos de experiência...
Mais uma parada, dessa vez, brusca. Com a freada, despertou de seus devaneios. Quase perdeu a paciência, mas deixou estar. Não lembrava de haver ponto de ônibus naquele local, era um descampado, no meio da estrada. Ouviu um agradecimento e pedidos de desculpa intermináveis. Voz feminina, jovem, desinibida. Resolveu esperar para ver quem era e, por algum acaso, se é que isso existe, ela se sentou ao seu lado. Não gostava muito de dividir seu espaço, mas naquele momento não se sentia incomodado. Cheiro de shampoo e cigarro. Respirou fundo e deu um meio sorriso, de canto de boca.
Não ousou conversar com a moça, assim como ela também não se atreveu. Desconhecidos não precisavam manter qualquer tipo de contato, no máximo um cumprimento, apenas formalidade. Refletiu um minuto... viver talvez tenha se tornado mera formalidade. Teria ele se tornado um robô, uma ferramenta de trabalho, como todos aqueles sentados em suas poltronas, apáticos, ocos? Sua companhia parecia destoar... pensou a respeito. Nova funcionária? Quem seria ela? O discurso estava formulado em sua mente, iria esclarecer o mistério. Mas as palavras não adquiriam forma... ficaram todas presas em sua garganta.
Sua cabeça estava ereta, olhava para frente, porém, sua vontade era de virar-se. Desejava, por algum motivo, guardar as feições daquele rosto. Não virou-se nem por um segundo. Sabia que ela era loira e que usava tênis allstar verdes, pois poderia vê-los sem nem se mexer muito. Num movimento ela se levantou. O quê? Seria por causa dele? Ele estaria importunando-a? Para sua felicidade momentânea, conseguiu visualizar seu perfil e seus cabelos dourados chegando às costas. Ouvira seu pedido ao motorista, novamente entre sorrisos e agradecimentos. Ela desceria no próximo ponto.
Era um desses momentos em que não se sabe como agir. Ele não soube. Ela desceu. O ônibus seguiu, e em poucos minutos chegou à firma. Ele continuou sua rotina, fez sua hora de almoço. Ao entardecer, tomou o mesmo ônibus de volta, e seu coração bateu descompassadamente no trecho em que a moça havia descido; ele nunca mais a viu. Mas o amanhecer, a partir daquele fatídico dia, era uma esperança a mais. Afinal, outro amanhecer daqueles poderia se repetir, um dia, talvez.
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